A servidora aposentada Terezinha Campos sempre recebeu pontualmente os aluguéis de dois imóveis dos quais é proprietária em Mauá. Tudo mudou quando a quarentena adotada para frear a pandemia do novo coronavírus deixou sem renda o locatário de sua casa e fechou o estabelecimento que funcionava no salão alugado de 40 m² existente no mesmo imóvel.
Como resultado, a aposentada recebeu apenas metade do aluguel da casa referente a este mês – a locação é intermediada por uma imobiliária. Quanto ao salão, para o qual não existe contrato, o último pagamento foi o de março.
Ao negociar com os dois inquilinos, Terezinha preferiu o bom senso. “A cabeleireira argumentou que, como o salão está fechado, não tem condições de arcar com o aluguel neste momento. Não posso exigir o pagamento de alguém que não está recebendo e achei melhor interromper a cobrança e lhe dar fôlego para que continue no imóvel depois da quarentena, até porque o valor é baixo”, disse. “Quanto à casa, neste momento, é melhor receber metade do que nada. Depois renegocio o atrasado.”
A situação de Terezinha e de seus dois inquilinos é a mesma de muitos locadores e locatários que, devido à interrupção das atividades consideradas não essenciais, tiveram de fechar acordos – por meio da concessão de descontos, prorrogação nos prazos ou mesmo do perdão de valores não pagos – para atravessar a pandemia.
A maioria dos pedidos de renegociação refere-se a contratos de locação comercial, mas os residenciais também têm sido alvo de ajuste, já que a crise chegou às pessoas físicas, devido ao aumento do desemprego.
“O Código Civil Brasileiro permite que, em caso fortuito, o locatário busque o desconto no valor, porque o problema não foi gerado pelo fornecedor, nem pelo empresário”, explicou a advogada Larissa Marques Fonseca, do escritório Marques Fonseca Advocacia. “É muito importante, neste momento, haver o consenso e uma parte se solidarizar com a outra”, prosseguiu.
Na última quarta-feira (14), a Câmara aprovou o projeto 1179/20, do senador Antonio Anastasia (PSD/MG), que visa flexibilizar algumas relações jurídicas durante a pandemia e proíbe decisões liminares (provisórias) de despejo até 30 de outubro. Agora, o texto retorna ao Senado, que já havia dado aval à proposta no início de abril – naquela oportunidade, um dispositivo que estabelecia redução total ou parcial dos alugueis para locatários que comprovassem redução de renda ou de receita durante a crise acabou retirado do texto.
Outro projeto sobre o assunto em tramitação no Congresso é o do deputado Luis Miranda (DEM-DF), que propõe desconto de 50% no valor do aluguel por quatro meses ao locatário afetado economicamente pela covid-19 – no fim do período, o saldo remanescente deverá ser quitado em até 12 meses.
“Enquanto ainda não há lei para disciplinar o tema nesse período de excepcionalidade, o bom senso deve prevalecer na definição de um critério para os contratos. Deve-se buscar o equilíbrio para fortalecer as relações comerciais. A pandemia vai passar, e quanto mais saudáveis as partes estiverem, melhor. Somente em alguns casos os lados têm buscado a judicialização”, disse Larissa.
Terezinha é também inquilina, pois mora em um apartamento locado em São Bernardo. Por enquanto, o atraso nos aluguéis que recebe não tem afetado seu orçamento doméstico, mas a aposentada não descarta rediscutir o valor com o proprietário do imóvel no qual reside no futuro, caso a quarentena continue por muito tempo. “Por enquanto, tenho conseguido pagar o aluguel e o condomínio”, disse.
“Se, mesmo tendo fonte de renda, o locatário conseguir provar que a pandemia reduziu sua capacidade de pagamento, pode pleitear a redução no aluguel”, afirmou Larissa. “Da mesma forma, um locador que vive apenas dos rendimentos dos imóveis pode argumentar que, devido à redução nos valores, passa por dificuldades.”
A advogada destacou ainda que, para argumentar na Justiça a fortuidade, é preciso obedecer alguns parâmetros. “A força maior só vale para débitos posteriores à crise. Se o locatário devia aluguel antes de março não estará amparado.”
No caso do aumento no valor dos aluguéis, que passa por revisão a cada 12 meses, a recomendação é pelo adiamento. “Não há condições para propor reajuste neste momento, seja qual for o índice”, afirmou Larissa.