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mar 27, 2021
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Lembrando o escritor Mário Palmério

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O seu nome, prontamente, coloca-nos diante da sua preciosa obra prima, o incomum romance “VILA DOS CONFINS” que, nas palavras de Eça de Queirós, “traz um cheiro de terra tão autêntico”. Mineiro da, então, cidadezinha Monte Carmelo, Mário de Ascenção Palmério, nasceu em 1° de março de 1916 e morreu em Uberaba em 24 de setembro de 1996. Foi, antes de tudo, uma vida intensamente dedicada ao Magistério, professor, educador, político e romancista brasileiro. Teve brilhante passagem por S. Paulo quando cursou Matemática na Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo lecionando, em seguida, no Colégio Universitário da Escola Politécnica. De volta ao Triângulo Mineiro, empenhou-se na organização da Faculdade de Odontologia e, mais tarde, nas Faculdades de Direito e Medicina nascendo, então, a Universidade de Uberaba. Teve, sim, forte atuação nas áreas educacional e política como Deputado Federal. Seu livro, Vila dos Confins, é, na sua idade de quarentão, o primeiro (1956), do qual disse: “nasceu relatório, cresceu crônica e acabou romance”. Escreveu, ainda, o também não famoso “Chapadão do Bugre”, bem como “O Morro das Sete Voltas”. Foi membro da Academia Brasileira de Letras, sucedendo Guimarães Rosa. Vila dos Confins incorpora, tipifica e expõe as vísceras sagazes e astutas da vida sertaneja com o seu contexto social febril e alucinante de liderança opressora e dominante, fazendo do território, aliás, do “Terreiro”, numa jogada inteligente do autor, na figura do “Galo Velho”, que nada mais era senão a real e verdadeira personagem, cenário para a figura singular de “João Fonhoso”, que também atrairia pra si a acirrada concorrência dos “frangos” ou “galinhos novos” nos seus primeiros cânticos ainda não convincentes! E tudo se passava na Fazendo do Boi Solto e espaços outros disputados por João Soares e Paulo Santos, os “suras” concorrentes! O autor cria, no enredo do seu romance, uma técnica literária de narração de fatos, dentro de outros fatos, que se identificam com a “mise-en-abyme”, expressão da lavra literária francesa que, ao pé da letra, significa “narrativa em abismo”, cunhada, pela primeira vez, por André Gide. Assim é que sempre ocorre a figura do “galo velho” e as circunstâncias que o envolvem, aliada a pequenas narrações que fazem parte do alvo maior, o João Fanhoso, bem como a visão, também maior, do Município com seus acontecimentos e o mundo pequeno e limitado da “Fazenda do Boi Solto”, onde canta grosso o “Galo Velho” , vibrando poder e dominação. Um pequeno e lindo texto do livro, focando o “galo velho” já decadente: “João Fanhoso abriu os olhos pesados de preguiça: primeiro um, depois o outro. E olhou o céu, entortando o pescoço. Passou o descanso do pé esquerdo para o pé direito – fora o cascalho do quintal que fizera aqueles malditos calos bem na sola dos pés. Andava, por isso, meio cambeta, meio que apalpando o chão. Olhou o céu outra vez: beleza de céu azul-escuro, com nuvens claras”. A narração, na sua primeira frase, além da linda “figura de sintaxe”, identificada como ‘zeugma’, aponta o declínio da dominação de João Fonhoso e, na figura do galo velho, também estava desapercebido que os antigos franquinhos estavam, agora, cantando grosso e, como fazem os galos nas madrugadas, sempre davam o troco ao canto do galo velho e, com ousado canto, mesmo fino, mas esticado, indicando que as urnas já teriam resultados diferentes e digo eu, hoje, fossem eletrônicas ou não! João Fanhoso era dono de um canto forte e meio rachado, daí o apelido que lhe fora imputado pela mulata, Argemira, pois, como diz o autor, ela era “espevitada, mestre em botar nome nos outros”. João Fanhoso, ou melhor, o “galo velho”, pouco a pouco, vai perdendo espaço, “amanhecendo sem entusiasmo, sem coragem”, restando-lhe “desânimo e velhice”. Sim, o poder é transitório.
* Agnaldo L. Sacramento é membro da Academia de Letras da Grande São Paulo – ABC Paulista, 18/03/2021.

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