A pandemia de covid-19 fez o número de óbitos superar o de nascidos vivos no ABC no primeiro semestre deste ano e antecipou – em caráter temporário, é verdade – um movimento que só era esperado pelos especialistas em demografia para meados deste século: o de redução vegetativa da população.
É o que revela estudo realizado pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), com dados compilados pelo Diário Regional.
Segundo o estudo, os sete municípios registraram 14.354 óbitos no primeiro semestre deste ano. O total, que é o maior da história em um primeiro semestre, é 42,2% superior ao ocorrido no mesmo período de 2020, com a pandemia já instalada no país. Em comparação aos seis primeiros meses de 2019, ano anterior à chegada do novo coronavírus, o aumento no número de mortes foi de 66,8% (veja gráfico ao lado).
Por outro lado, foram registrados de janeiro a junho 14.183 nascimentos no ABC, número 11,4% inferior ao do mesmo período do ano passado. Ante os seis primeiros meses de 2019, anteriores à chegada da pandemia, a redução é de 16,7%.
Como resultado do aumento no número de mortes e da redução da quantidade de nascimentos, a região registrou saldo vegetativo negativo, ou seja, a população encolheu em 171 habitantes. Em 2020 e 2019, o saldo foi positivo (5.922 e 8.619, respectivamente).
Em nota, a Fundação Seade informa que o saldo vegetativo – indicador que dimensiona o crescimento natural da população – tem apresentado trajetória decrescente no Estado ao longo dos últimos 20 anos. Essa tendência se deve à redução do volume de nascimentos, consequência direta da queda da fecundidade, e ao contínuo aumento de óbitos, associado ao processo de envelhecimento populacional.
A crise sanitária, porém, fez crescer rapidamente o número de mortes no ABC, a ponto de reduzir consideravelmente o saldo vegetativo mensal desde maio do ano passado. Mais do que isso, nos meses de março e abril deste ano – período que coincide com o pico da segunda onda da pandemia –, o indicador ficou negativo, o que nunca aconteceu.
Normalmente, o número de mortes só excede o de nascimentos em países muito desenvolvidos. É o caso do Japão, onde a taxa de natalidade é extremamente baixa. O fenômeno, porém, já foi registrado de forma excepcional e pontual em momentos de tragédia e profunda desestruturação social. Foi o que ocorreu, por exemplo, na Segunda Guerra Mundial e com a epidemia de Aids em alguns países da África.
“A projeção era de que as curvas de nascidos vivos e de óbitos se encontrassem na década de 2040, mas a pandemia de covid-19 antecipou esse momento, ao aumentar consideravelmente o número de óbitos e reduzir em um ano a expectativa de vida da população”, explicou a gerente de Demografia da Fundação Seade, Bernadette Waldvogel.
Dados da própria Fundação Seade revelam que, no primeiro semestre deste ano, o ABC perdeu quase 6 mil vidas para o novo coronavírus.
Bernadette ressaltou, porém, que o movimento deve se revertido neste segundo semestre devido à redução no número de óbitos, com o saldo vegetativo retomando valores positivos e mantendo a tendência decrescente observada antes da pandemia.
INCERTEZAS
A gerente de Demografia da Fundação Seade destacou ainda que o Estado deve assistir, em 2022, à redução na fecundidade provocada pelas incertezas econômicas decorrentes da pandemia, especialmente a alta do desemprego e a diminuição da renda.
“A redução (da fecundidade) já acontecia, mas deve se agudizar. Muitas mulheres postergam a gravidez quando as condições econômicas não são favoráveis, o que se soma ao medo ainda presente da pandemia. Se puder adiar, a mulher adia”, disse Bernadette.