A crise econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus tornou mais difíceis as negociações salariais e tem feito de 2020 o ano mais desfavorável para o bolso dos trabalhadores brasileiros desde 2016.
Levantamento realizado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) com base em dados do Ministério da Economia revela que, do total de 4.938 negociações de categorias com data-base entre janeiro e agosto deste ano, 43% resultaram em reajustes reais, ou seja, acima do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O porcentual é o mais baixo desde 2016, quando apenas 18,6% das negociações resultaram em ganho real para os trabalhadores (veja gráfico ao lado).
Da mesma forma, a fatia de negociações encerradas com reajuste igual (28,9%) ou inferior ao INPC (28,1%) alcançou 57%, maior patamar desde os 81,7% registrados em 2016. Ainda segundo o estudo, a variação real média dos salários até agosto de 2020 é ligeiramente negativa (- 0,07%).
O supervisor técnico do Dieese em São Paulo, Victor Pagani, afirmou que a pandemia impôs desafios adicionais aos sindicatos em meio a um cenário que já era desfavorável no início do ano, uma vez que várias bancadas patronais alegaram queda brusca na atividade econômica como motivo para adiar a negociação.
“A economia vinha em ritmo bastante lento até março e, com o coronavírus, a situação piorou. No primeiro momento, os sindicatos priorizaram (nas negociações) a garantia de protocolos de saúde e segurança para os trabalhadores e, no segundo momento, a manutenção do nível de emprego e dos direitos estabelecidos nas convenções”, afirmou Pagani.
“O aumento ficou em segundo plano. Tanto que algumas categorias adiaram o reajuste em troca de abono salarial e garantia de emprego”, prosseguiu o supervisor técnico do Dieese, citando como exemplo os acordos fechados pelos sindicatos de metalúrgicos com a Volkswagen.
Pagani ressaltou, porém, que 71,9% das categorias conseguiram ao menos repor a inflação – o que, em sua avaliação, é um sinal de força dos sindicatos nas negociações, tendo em vista o cenário atual.
O Dieese destacou que o ambiente para negociação ficou mais favorável a partir de agosto, com a retomada gradual da atividade econômica – inclusive, algumas categorias com data-base no primeiro semestre conseguiram obter reajustes salariais por meio de aditivos à convenção coletiva, mas sem efeito retroativo.
Pagani lembrou, contudo, que a aceleração da inflação oficial – motivada, principalmente, por aumentos de preço de gêneros alimentícios, como arroz, feijão e carne – deve fazer da reposição da inflação novamente uma prioridade.
“Até junho, o INPC acumulado (em 12 meses) estava em 2,35%. Agora (em setembro) está próximo de 4%, o que vai ter impacto nas negociações. Quanto maior é a inflação, mais difícil é negociar aumento real de salário”, lembrou Pagani.